Domenico Lancelotti
Quanto mais os anos passam, mais uma idéia quase religiosa se impõe sobre todas as outras.
De que nós somos tudo que acontece na face da terra, e estamos no mundo pra sentir, isso aqui é um laboratório dos sentidos, somos expostos o tempo inteiro a uma sorte de acontecimentos diários, momentâneos, que mudam constantemente nosso nível emocional do pensar e do agir.
A luz que há, o sol por excelência, e todo repertório de variações de luz, que são infinitos, como filtros naturais, água translúcida, árvores, casas, vidros, oxigênio etc, etc… Estão intimamente ligados ao nosso sistema nervoso. Deve haver num nível superior, talvez já desenvolvido por civilizações do futuro, uma espécie de glossário relacionando diretamente o interior do homem com a atmosfera. Até agora ninguém chegou mais perto disso que Rembrant.
Quando eu era criança, vinha visitar minha madrinha que morava em Copacabana. Algo que acontecia naquela portaria me incomodava muito, me causando uma tristeza imediata. Na época relacionava essa tristezinha à figura de minha madrinha, que atingia o auge de sua esclerose. Só mais tarde fui entender que era a luz e a repercussão dela pelos espelhos gritantes.
Não preciso mencionar que o trabalho da Lúcia é antítese desta portaria.
O mais intrigante nesse trabalho é o movimento, ao contrário da pintura ou fotografia… E mesmo aqueles artistas que tem a luz como matéria principal, e os efeitos da luz, a qualidade da luz, como Rembrant (já citado), Turner, Goya, eles estão captando um momento específico, estático e eterno.
O trabalho de Lúcia é efêmero, nesse ponto se relaciona mais com o cinema, a música, e, num outro nível, a arquitetura.
Algo que se move no espaço e está em constante transformação, mesmo que muito sutil, e nunca se repete.
Fico pensando que a documentação deste trabalho em fotografia está muito longe do significado real. Infelizmente tive até hoje poucas oportunidades de vivenciar suas instalações, moramos em diferentes cidades, vi alguma documentação feita, dentre elas uma sequência de fotos numa caderneta que simulava uma animação das projeções geométricas e coloridas que a luz do sol desenhou no chão de um galpão em Porto Alegre no decorrer de uma tarde. Essa me pareceu uma boa solução. Mas mesmo assim não causa o efeito na alma.
Outro aspecto do trabalho da Lúcia que me agrada é a capacidade de impovisação da artista: interferir em algum ambiente arquitetônico já estabelecido, concretizado e através dos “plugins”, que geralmente são recursos muito simples: acrílicos coloridos, plástico, vidros, fazer mudar completamente o sentido das coisas. E as coisas somos nós.
Lúcia Koch vem da linha direta dos deuses controladores do tempo, Hélio Oiticíca, 12 de novembro, Porto Alegre, Brasil.
2009