Cristiana Tejo
1.Treliças, rendilhas, muxarabis, devem ter moldado nossa maneira porosa de ver o mundo. Anteparos para filtrar a luz, beneficiar a ventilação e manter privacidade, desde seus usos na arquitetura árabe e influências na visualidade ibérica – tão entranhada na formação cultural pernambucana -, permitiam um contato perene com o exterior, sem comprometer o que se passava no interior das casas. Os moradores podiam se sentir ao mesmo tempo dentro e fora dos lugares. Combogós e brise-soleil, soluções encontradas pela arquitetura moderna para se adaptar às especificidades climáticas das regiões ensolaradas, conferem um tom vernacular ao ideário universalista do século XX. Provocam um contorcionismo no racionalismo europeu.
2.A matemática espontânea sucede cronologicamente as tentativas da matemática moderna de impetrar uma escola de raciocínio lógico universal. Denominada também de etnomatemática, significa entre outras coisas, “o caminho que grupos particulares específicos encontram para classificar, ordenar, contar e medir”[1]. Valorizar saberes e crenças de sociedades não hegemônicas e ao mesmo tempo inscrever-se na educação institucional é o maior desafio deste ramo da matemática. Parece que tocamos na mesma problemática levantada no item anterior: a dupla inscrição, o duplo pertencimento a dois sistemas de pensamento.
3.Apesar da falência do modelo moderno de educação matemática, ele foi muito influente nas décadas de 50 e 60. A mãe de Lucia Koch era uma pesquisadora do método e por seu intermédio, a artista construiu seu entendimento do mundo a partir da lógica matemática. Conceitos de conjunto, igual, diferente, pertencimento, não pertencimento, entre tantos outros a auxiliam na apreensão das situações.
4.Lucia Koch costuma dizer que seu trabalho é mimético por estratégia e que seu raciocínio é topológico. Ela lança seu olhar para o espaço e o problematiza. Observa seus dados arquitetônicos e funcionais e utiliza, em grande parte das vezes, a cor, a luz e padrões geométricos como variáveis. A solução nunca é igual.
5.Em 2003, Lucia Koch apresentou na Bienal de Istambul uma intervenção na janela de um banho turco. Padrões coloridos recortados avançavam pela sala, desenhando formas nas pessoas e no local. Ao mesmo tempo, a janela atraía os freqüentadores, ganhava um status de superfície furtiva, convidativa para a observação do outro lado.
6.O Observatório Cultural Malakoff tem um estilo denominado oriental. Antes de assumir o formato da torre, o espaço bifurca-se em duas alas aparentemente simétricas. Lucia assume esses dados e propõe elementos repetidos para cada sala, causando quase um espelhamento, uma suposta simultaneidade das alas. O que a artista nos sugere é um jogo de semelhanças e diferenças. Numa das salas, o acrílico vermelho forma desenhos nos corpos que se aproximam da janela para ver a Praça do Arsenal. A vermelhidão acentua a sensação de calor senegalês que assola permanentemente Recife. Um corredor de combogós interliga as duas salas e nos faz dar as costas uma estrutura horizontal colorida e direciona nosso olhar e nosso andar para uma estrutura vertical treliçada. Ao passar pelo caminho todo modulado por venezianas de concreto, chegamos a um espaço de presença tímida da luz solar. A segunda ala traz a mesma configuração espacial. Novamente encontramos instaurada na primeira janela uma peça de acrílico, só que dessa vez de material espelhado. Olhamos para fora e nos vemos. O desenho é uma junção de formatos de cobogós, que sugerem uma lógica de combinação e seriação, só que nos faz fracassar nesta busca, pois se trata de uma associação livre de formas. Novo corredor e outro tipo de combogó. O mesmo diferente. Quando parece que deciframos a fórmula empregada nesta equação, um desvio se processa: o mesmo desenho aplicado em acrílico de outra cor é colocado numa janela do segundo andar. Talvez seja um conjunto unitário ou esta seja a terceira parte de um conjunto complexo.
7.Á noite, o efeito é inverso. Estar fora é mais transformador que estar dentro.
8.O vídeo Olinda – Celeste reafirma a presença concomitante de um suposto padrão e da descombinação.
9.Lucia finaliza o Projeto de Exposições (2004-2006) do Observatório Cultural Malakoff, que buscou possibilitar uma plataforma de experimentação para artistas que já demonstram caminhos solidificados e que desejam (mais) um espaço e situação desafiadores para suas poéticas. A curadora preferiu, portanto, acolher projetos inéditos para serem comissionados pela instituição.
2006